quarta-feira, 18 de julho de 2007

A caixa de água de Pelotas e a Estação da Luz

Ao redor de 1875 foram construídos em Paris vários equipamentos para o sistema de abastecimento de água potável da cidade de Pelotas – RS. Em 1999 quase todos ainda se encontravam em operação, neste ano porem foi necessário fazer uma avaliação da integridade estrutural na caixa de água da Praça Piratinino de Almeida, a construção mais bonita do conjunto.
Trata-se de um reservatório de água elevado, fabricado em peças de ferro fundido encaixadas como telhas, formando um diafragma na base, e duas paredes verticais que com um teto de telhas zincadas completa um toróide de seção trapezoidal. Pois é, um toróide em cujo espaço central há uma escada caracol que leva a um mirante com bancos de ferro estilo Luis XV de onde se avistam as copas das arvores da praça, os telhados da vizinhança e o horizonte da planície gaúcha. Eu imagino que no fim do século 19 os caçais pelotenses deviam disputar tão bucólico lugar, para namorar.
A avaliação foi feita como conseqüência de um incidente que me foi relatado quando cheguei lá para fazer o trabalho.
Um homossexual tinha descoberto que estava com AIDS e decidiu suicidar-se. Na caixa de água. Subiu no mirante, abriu um buraco nas telhas e atirou-se, com o propósito de afogar-se. Para o lado errado. Para sorte dos consumidores, não caiu na água. Em realidade atirou-se dentro da coluna que sustenta a escada caracol – um tubo de quase 80 cm de diâmetro.

Os bombeiros tiveram que abrir um furo na parede do tubo para tirar o suicida fracassado; com algumas escoriações apenas.
Depois disto se especulou sobre a integridade da famigerada caixa de água:
- Será que a estrutura foi abalada?
- É melhor derrubá-la para que não caia na cabeça das pessoas!
- Imagina! É quase um monumento. Deve ser restaurada!
Formaram-se dois bandos na cidade, um a favor e outro contra a caixa de água. E claro, uns e outros, tentando influenciar aos que estávamos trabalhando, literalmente em praça pública.
Colaborei na avaliação da estrutura depois do “sinistro” e o resultado foi a favor da caixa da água, nenhum elemento estrutural tinha sido danificado. Nem sequer alguns vazamentos produto da corrosão da manta de chumbo que veda o interior do reservatório colocaram em dúvida a integridade desta obra da engenharia francesa.
Creio que continua operando até hoje. Certamente prestava seu serviço centenário em 2003.
Este episódio reafirmou algumas convicções colhidas no meu trajeto em prol da boa manutenção:
- Equipamentos que operam satisfatoriamente por períodos prolongados não caem de velhos de uma hora para outra.
- A falta de manutenção preventiva é endêmica.
- Quanto maior a ignorância sobre o equipamento maior é a tendência das pessoas em adotar “soluções” fáceis e definitivas.
- Um incidente como o relatado dispara ações a favor e contra, conforme as conveniências.
- Muita energia despendida, reuniões intermináveis e quase ninguém aprende nada.
- São contabilizados apenas os resultados.

E a estação da Luz?
Foi fabricada em Inglaterra em 1889 e montada em São Paulo entre 1895 e 1901.
Um dia quase caiu; ou pelo menos alguém achou que cairia, mas esta estória eu conto outro dia.